8=8 The Virtual Museum Project
     

GONZALO MEZZA BRASIL-2010

por Margarita Schultz

  1. Algumas palavras de acesso.

 A obra de Gonzalo Mezza (1949- Santiago do Chile), residente no Brasil e no Chile, é a manifestação diversa e contínua de uma forte base conceitual sustentada pelo artista. Em um estudo anterior, caracterizei-a com uma expressão que ainda mantém sua vigência: refiro-me ao conceito de “humanismo tecnológico”.
Acrescento, agora, mais uma ideia a essa denominação. Quero chamar a sua apaixonada utopia de “humanismo tecnológico planetário”. Assim, fica constituída uma tríade de componentes. É a permanente vontade ecumênica de Gonzalo Mezza o que me leva a caracterizar sua empresa criativa como utopia.
Que representa essa noção de “humanismo tecnológico planetário”?
Quando se fala em “tecnologia” alude-se, habitualmente, a máquinas, códigos, automatismos, enquanto “humanismo” remete a pessoa e seus valores, uma ética que privilegia o humano, representado por sentimentos, ideias, conceitos. À primeira vista parece a união impossível de dois mundos contrapostos; entretanto, integram-se com fluidez na obra de Mezza na medida em que ele emprega a tecnologia para construir um humanismo ad hoc, com projeção planetária.
O termo Planetário,atualmente,não requer maiores esclarecimentos: assistimos a uma ampla intercomunicação entre indivíduos do planeta pelo uso da Rede (recente no decurso histórico). A partir dos mais remotos lugares, a Rede permite a conexão de pessoas que hoje interagem com naturalidade. Por exemplo: crianças de escolinhas rurais do sul chileno comunicam-se com as do norte (Proyecto Enlaces); pessoas da cidade de Kathmandu interagem com pessoas de qualquer outro ponto do planeta sem importar a distância, em um Nepal aberto ao mundo.
            Precisamente por isso a poética contida na obra de Gonzalo Mezza apresenta-se aos usuários com um sentido principal: a liberação das mensagens.

  1. O conceito de liberação da informação: imagens para participar

 A proposta de “liberação da informação” e a procura de participação por parte dos usuários têm um perfil preciso: polemizar a respeito do poder e do controle da informação. Tais ideias subjazem em sua produção do início dos anos de 1970 - período fundamental no desenvolvimento artístico de Gonzalo Mezza. Sua formação aconteceu em Barcelona, Espanha, onde se formou na Escola de Desenho EINA, pro-Bauhaus.

Entre 1970 e 1974,
residiu e trabalhou conjuntamente com Antoni Muntadas no desenvolvimento da arte conceitual e na concretização da videoarte, já utilizando o meio eletrônico. O tempo do nascimento da videoarte, como manifestação artística, foi o ponto de partida de uma revolução artística por seu enfoque a respeito da “realidade”: uma ferramenta para expor conceitos e depoimentos, antes que representações.

No ano de 1974, em que Gonzalo Mezza se encontrava trabalhando para o IMAV (Instituto de Medios Audiovisuales), foi realizada a sua instalação Homenaje a Picasso (Homenagem a Picasso) no Museu Picasso de Barcelona, a pedido do próprio museu. A transcendência dessa mostra, configurada por multimídia com fotografias e projeções, ficou centrada na discussão a respeito do uso de multimídia em espaços de museus. Para entender a repercussão dessa exibição é necessário apelar ao contexto histórico. Eram os primeiros passos de uma nova tradição que abriria horizontes para novas formas da criação artística.
            A trajetória do artista Mezza focaliza-se em um horizonte sempre aberto, já a partir da plataforma das inovações que produziu. Grande parte de suas criações pode ser avaliada como arte inatual. Inatual não por se tratar de uma arte que enxerga o passado, mas sim o contrário, por situar-se continuamente no futuro, na vanguarda.

1972- 1979
Paralelamente a seus trabalhos na Europa, Gonzalo Mezza produziu no Chile o projeto Des-hielo Venus 123 (Des-gelo Vênus 123), instalação de vídeo no Museu Nacional de Belas Artes. Exibida posteriormente na galeria do Instituto Cultural de Las Condes. Nessa ocasião, o artista enfatizou o uso multimidial ao agrupar matérias diversas, diversas fontes: gelo, vídeo, documentos testemunhais, fotocópias, fotografias, pigmentos vinculados às cores da bandeira nacional chilena (branco, vermelho, azul), águas da cordilheira provenientes do rio Mapocho (emblemático rio que atravessa a cidade capital, Santiago do Chile).

1976
foi o ano da Instalação Desierto de Atacama (Deserto de Atacama), uma ação de arte no deserto de Atacama (Norte do Chile) em que se proclamava a ideia de “não mais cruzes”, expressão de conotação histórica. A instalação consistia na relação entre as cruzes sobre a estrada e seu próprio corpo. Foi exibida na Galeria Sur. A obra foi adquirida pelo Museu Nacional de Belas Artes, Santiago do Chile. Reformulada posteriormente em 1989 No más cruces Chile-Berlín (Não mais cruzes Chile-Berlin), na Staatlichem Kunsthalle, Berlim, Alemanha. O conjunto, na ocasião, foi configurado com: chapas de acrílico, neon, gelo, fotografias polaroide, fotocópias xerox cor, azulejos pretos. (Obra organizada em 17,00 x 3,50m)

  1.  

Em 1980,
A instalação Cruz del Sur (Cruzeiro do Sul). Concretizada na Isla Negra, a obra marcou um problema cultural: o da inscrição de uma obra multimídia na sua época; foi enviada ao concurso da Colocadora Nacional de Valores. Um exemplo mais de arte inatual apresentado no presente a partir de um olhar futuro. Por que um problema de inscrição? A qualidade multimidial da obra, que implicava o registro e exibição de uma ação de arte na Isla Negra (litoral chileno) desconcertava sua classificação no concurso. Gerou uma circunstância precursora, porque era ao mesmo tempo uma instalação (5,80 x 4,50m), continha fotografias (P/B), pigmentos, areia de mar, caixas de acrílico, pernos de aço, sons gravados, um monitor de TV, um reprodutor de VHS. Foi Primeiro Prêmio Gráfica e Instalação, no 6º Concurso da Colocadora Nacional de Valores.
MNBA Museo Nacional de Belas Artes, Santiago do Chile.

1981-1982.
Seguindo o percurso e atendendo as realizações atuais de Gonzalo Mezza, comprometidas com o universo digital, é de rigor perguntar-se: qual foi sua primeira obra criada em suporte digital?
Tratou-se de: Instalación N.S.E.O = Información Liberada (Instalação N.S.E.O = Instalação de Informação Liberada) A sigla nasce de um leit motiv no acervo criativo do artista Mezza: Norte, Sul, Leste, Oeste, os quatro pontos cardiais, os quatro horizontes que uma pessoa tem em qualquer ponto do planeta, quando se posiciona no planetário e pensa além dos próprios limites.
A sede da instalação foram os escritórios da IBM, estação de trabalho, Chile. O conjunto estava formado por um computador IBM, iluminação de neon, som. Em dimensões de 3,00 x 3,50 X 3,30m.
Foi uma iniciativa para transformar a arte contemporânea em algo diferente à tradicional exibição de obras. N.S.E.O tinha sido pensada como uma obra Net. Dos escritórios da IBM emitia-se informação a partir de um computador: uma verdadeira antecipação das futuras comunicações pela WWW.
Impõe-se um lembrete, pois se fala aqui de uma obra inovadora de 1981-1982. Em agosto de 1991, o público pôde acessar o início do funcionamento da WWW (World Wide Web, que se entende como grande rede mundial de comunicação) através dos grupos de notícias. No ano 1993, transformou-se o código fonte da WWW em software livre.

1988
foi o ano da sua instalação Las Mil y una Noches de la Maja desnuda y de Goya_Dadá (As Mil e uma Noites de A Maja nua e de Goya_Dadá). Sua visita à cultura artística europeia tem a ver diretamente com a sua formação artística. Em uma ocasião apontou: “Levo a arte européia na mochila, não posso renegar dela”. Aquele foi um trabalho em fotografia polaroide sobre a obra de Goya, neon, arquitetura, madeira, acrílico, luz, textos. 6,00 x 2,50 x 0,30m. Foi exibida como parte de uma mostra denominada: Contemporary Art From Chile (Americas Society Gallery New York. USA).

1994
Proyección laser Palacio de La Moneda (Projeção laser Palacio de la Moneda), , representou a próxima instalação multimídia, na frente do Palacio de la Moneda (Santiago do Chile). Deve ser entendida como uma  “intervenção virtual” sobre a base de projeções de raios laser , porque as imagens projetadas (por exemplo, o perímetro do território chileno) tinham uma presença efêmera na circunstância noturna. Elementos constitutivos: projeção de raio laser, computador, e luz sobre a fachada do prédio histórico Palacio de La Moneda. 140 x 60 x 12m. Foram realizados registros documentais nos dias 11 e 12 de março de 1994.
Nesse mesmo ano de 1994,
na Sala Matta, do Museu Nacional de Belas Artes de Santiago do Chile , exibe Gonzalo Mezza suas Pinturas Digitais. Novo conceito de  “pintura” sem pincéis nem óleos, que o artista Mezza intitulou:Instalación al borde del siglo XXl & Tranferencias postmodernas (Instalação à beira do século XXl & Transferências pós-modernas). Instalação Ásia + América = Europa + África. O princípio do ecumênico ganhava presença novamente, visto que nessa ocasião os quatro continentes estiveram presentes a partir de alguns símbolos tais como: a jovem de Hiroshima, a Vênus mapuche, um autorretrato de Vincent Van Gogh, uma jovem africana. Elementos: pintura digital sobre tela metro-mídia, 4 computadores IBM, vídeo, som. Suas dimensões: 5 x 40 x 22m.

Em 1996
(três anos depois da liberação do código da WWW), participou na XXIII Bienal de São Paulo com uma mega instalação de 162 metros quadrados (4,80 x 10,80 x 7,50m). Tratava-se de Instalação M@r.co.sur
Contava com um acesso à Internet (WWW), de tipo virtual interativa, que permitia a conexão on-line entre Santiago do Chile e São Paulo, mostrava cyberpintura digital e dispunha de dois computadores Macintosh. Também constituía um hipertexto pelo modo como se relacionavam as imagens “satelitais” com obras e imagens de diferentes culturas colocadas em consonância.
Nessa obra afirmava-se, mais uma vez, sua proposta de intercomunicação entre continentes. A tela sintética (impressa por ambos os lados) tinha seu “lado Atlântico” e seu “lado Pacífico”. E, sobre um fundo da superfície terrestre respectiva, captada via satélite, cada lado continha elementos simbólicos correspondentes a diversas culturas vinculadas a ambos os oceanos, em uma elaboração de collage digital.
Por meio da WWW, o público podia intervir nas imagens, recriá-las, e devolvê-las por essa mesma via: Internet. Essas imagens podiam ser recolhidas (abertas como se diz habitualmente hoje) por públicos in situ, mas também a partir de qualquer ponto do planeta onde houvesse uma instalação tecnológica apropriada. Disso já fazem quatorze anos!
Mas seus conceitos acerca da natureza do “artístico” em relação aos espaços públicos tinham iniciado nos anos de 1970, como comentei anteriormente. Nessa época, trazia uma proposta com uma nova modalidade que hoje (2010) tem expressão multitudinária em incalculáveis concreções da atividade artística. Desde então (os anos de 1970), era trabalhado o trânsito do material ao virtual (um termo que uso com itálico como advertência ). Em todo caso, é legítimo destacar que na metodologia principal de trabalho de Gonzalo Mezza existe sempre um suporte material que sustenta ou torna possível a presença de imagens de natureza digital. Por outra parte, em suas instalações, os objetos integram o mundo das imagens digitais e seu suporte próprio.


1997
foi o ano de sua Instalación Virtual M@R.CO.SUR 2(Instalação Virtual M@R.CO.SUR 2) na I Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, Brasil. Nessa ocasião, ocupou dois espaços emblemáticos da cidade: a Usina do Gasômetro e o Mercado Público. A Usina do Gasômetro, que proporcionava energia à cidade de Porto Alegre, é hoje um centro cultural, um espaço público aberto. O Mercado Público é um prédio que está ligado, também, ao serviço público dos habitantes de Porto Alegre, ativo na sua função.
Um fio histórico e funcional une ambas as construções. Mas, além disso, durante a vigência do instalação M@R.CO.SUR2 outro laço, igualmente  “invisível” porém significativo, unia ambos os prédios. Estava formado por duas câmaras que transmitiam dados: os acontecimentos in situ vinculados com os visitantes da mostra; de um ponto a outro e vice-versa.

1998,
na Instalação Projecto Virtual WWW.M@R.CO.SUR da sala CTC da Fundação Telefônica-Chile, o público tinha a oportunidade de participar, mais uma vez, nas propostas de Mezza, por meio do procedimento de baixar a seu computador uma obra do artista. A seleção podia ser feita navegando na página web do Museu Virtual, com a finalidade de interagir e enviar sua imagem manipulada, sem fronteiras, a um máximo de 720 x 480 pixels em formato jpg, a 72 dpi, via e-mail a info@mezza.cl Essa metodologia coincide com o sistema conceitual rememorado aqui: autoria compartilhada, interatividade, “desfetichezação” do objeto de arte, comunicação por meio da WWW, quer dizer, “sem fronteiras”.

1999
Na II Bienal do Mercosul, em na Usina do Gasômetro de Porto Alegre, foram projetadas as imagens dos participantes no pavilhão de Arte e Tecnologia. O visitante encontrava esta sugestão: “Baixe esta imagem acima para seu computador e faça sua intervenção ou projeto. Depois, envie o arquivo (em formato JPG, 72 dpi, 640 x 419 pixels via Internet) para o e-mail info@mezza.cl”. Também nessa ocasião o visitante encontrava-se com uma galeria de intervenções de outros usuários do planeta: “Na Galeria www.m@r.co.sur você pode conhecer algumas obras já enviadas”.

2000
O projeto WWW.C.U.B.A.C.U.B.O.S.I.N.F.R.O.N.T.E.R.A.S foi apresentado como uma Ciber-instalação Via celular ou Internet na VII Bienal de La Habana.Cuba.AMÉRICA + ÁFRICA = EUROPA + ASIA + OCEANIA.
A proposta era gerar projeções de imagens sobre uma pirâmide construída com 400 cubos de açúcar (principal indústria cubana). As imagens eram o produto de envios, por parte de diferentes pessoas situadas fisicamente em diversos pontos do planeta, utilizando a Internet ou telefones celulares.
O sistema de equivalências (simbolizadas com o signo: =), que designa muitos de seus trabalhos, coincide, na perspectiva de Gonzalo Mezza, com seu ideal de equiparações, tais como continentes sem fronteiras, países em inter-relação fluida, pessoas em intercomunicação, imagens disponíveis para a participação, coletividades cocriadoras, e software livre.
Nesses conteúdos, insere-se sua teoria do que chamo de comunhão daautoria artística. Uma autoria que supera as fronteiras do autor individual tradicional e dissemina-se nas intenções criadoras das pessoas. Por isso a “comunicação” transcende para a noção de “comunhão”. O estímulo a participar gera e alimenta uma atitude mais próxima à pró-atividade. Ainda que a participação dos usuários seja feita sobre a imagem e a partir do convite de um artista, a ação ultrapassa o mero “receber”.

2001
Depois da instalação na VII Bienal de La Habana, e aprofundando na pirâmide formada com os cubos de açúcar, o artista Mezza realizou, , uma instalação de meios múltiplos na Galeria Animal, de Santiago.
Essa mostra foi por ele intitulada: 0 + 1 = 8 (In f i n i t o).
Os elementos colocados aqui em consonância foram: computadores Power Mac G4, 600mhz titânio, 5 projetores multimídia Epson, vídeo digital, fotografia digital, som digital Bang Olufsen, raios-X , cristal líquido, Internet, açúcar, silício, concreto, titânio, neon, vidro. O conjunto ocupou uma superfície de 11,80 x 10,70 x 5,8m.
O título enquadra-se na ideia matriz que o artista vem desenvolvendo em sucessivas obras. Essa equação pode desconcertar, mas resulta legítima no contexto: 0 + 1 = 8 (Infinito). Uns e zeros, a simbologia binária das produções digitais, 8 que é, ao mesmo tempo, o signo da oitava arte e o signo de “infinito” (ou seja, uma abertura sem fronteiras, uma continuidade sem limites).

  1. Interatividade e autoria compartilhada

A neutralidade do espaço da Internet onde circulam as mensagens sem importar a distância física (neutralidade frequentemente criticada por detratores do universo digital) deveria caracterizar-se, entretanto, como um atraente motor de comunicação entre as pessoas. É precisamente o que permite que pessoas situadas em diferentes pontos da espacialidade física possam interagir. Mais ainda, deve-se vincular a comunicação  “artística” ao universo digital com o fenômeno das redes sociais de todo tipo, que crescem, multiplicam-se (e, certamente, geram ganhos milionários).

Ao explorar o Museu Virtual de Gonzalo Mezza (www.mezza.cl), em cada situação criativa exposta em galerias, museus formais, espaços conquistados para a arte como o Mercado de Porto Alegre, por exemplo, adverte-se, por um lado, sobre a indicação de possibilidade de interatividade destinada aos usuários; e, por outro lado, em Internet, sobre a presença de “galerias de intervenções” onde são exibidas as respostas do público a seus  “convites a participarem”.

2003
A Sala Marco Bonta do MAC (Museu de Arte Contemporânea Chile) foi o espaço de uma de suas exibições . Nessa ocasião intitulou seu projeto: 0+1=ADN (0+1=DNA). Era uma variação de suas diferentes equações (=), a igualdade como conceito matriz). Nessa circunstância, a equação foi para um projeto que equiparava o abecedário principal de construção do digital (zeros e uns) com o abecedário de construção da vida (o DNA): adenina, guanina, citosina, timina. No espaço respectivo, na Rede, reencontramos a galeria de intervenções.

em Agosto de 2003. Gonzalo Mezza realizou no MAVI (Museo de Artes Visuais) Chile uma retrospectiva digital multimidial que abrangia o que fora produzido entre 1973 e 2003. Na retrospectiva multimidial coincidiam: Ciber-instalação, Arte Interativa, Net Art, Web Art, Ciberpinturas, Plasma, Cibergravuras, Internet Project, Instalações, DVD Multimídia, Pinturas digitais, Fotografias a laser, Video digital.

Naquela oportunidade escrevi: “Por qué e-evolution? E- é o indicador de ações eletrônicas em suporte Internet, verdadeiro prefixo atual que aparece em diferentes expressões tais como e-medicina, e-learning, e-art. O que quer dizer e-evolução nessa retrospectiva? Poderia pensar-se de maneira simplista que se trata de uma passagem contínua a partir da matéria para a informação eletrônica, uma desmaterialização. Mas Gonzalo Mezza não participa da ideia restritiva, embora disseminada, da desmaterialização como excludente processo e gradual progresso das tecnologias digitais.
Seu predicamento de criador humanista o leva sempre a insistir em uma recuperação dos valores da corporalidade e a matéria.”

            Esse é o motor de suas instalações, por um lado a liberação das fronteiras, por outro, consequentemente, a integração ou “congregação” de meios e matérias. Trata-se de um valor que envolve retrospectivamente a presença do material em seus projetos como, por exemplo, o gelo - na sua obra a Venus en los hielos del Sur (Vênus nos gelos do Sul) -, o carvão - na sua instalação de Fundación Telefónica (Fundação Telefônica)… Por isso, juntamente com a intervenção em suas imagens, Mezza vem propondo uma  “intervenção digital perceptível no espaço físico” por parte dos usuários-participantes: “intervenha este espaço” é a convocatória em sua obra para a II Bienal do Mercosul.

2005 é o ano de inauguração de: 5 + 5 = 8 Infinito. Com esse nome designou o mural de um Ciber e-Espaço digital instalado na entrada do prédio do Ministério de Educação, do Chile (lado oriente). A descrição dos componentes fala de uma metodologia de trabalho que abrange sempre a “multimídia”: Ciber-instalação Mural, 5 ciberpinturas digitais de 5 continentes sobre placas de alumínio, alucobond, Internet interativa, computadores, servidor para suportar as interações dos usuários, 5 monitores de cristal líquido, LCD, DVD, projeção de vídeo digital, webcam para o registro circunstanciado dos acontecimentos in situ, instalação sonora, sons polifônicos digitais, luz de neon ou LEDs. Suas dimensões: 5,00m de altura x 25,00m de largura.

Gonzalo Mezza descreve, assim, o Ciberespaço:
“É outro estado da matéria, m@r.co de um novo suporte para a e-nergia criadora do pensamento contemporâneo. (…) Esta obra em linguagem binária é um link interativo com a e-ducação; cada pixel é um metro quadrado de território, os 5 continentes, os 5 sentidos, as 5 janelas ao conhecimento. Oriente é o 0 (zero), Ocidente é o 1 (um). Mas ela, a Terra, é uma só, como os hemisférios concertados do nosso cérebro.Todos somos viajantes de uma mesma espaçonave, a Terra, que navega entre as galáxias infinitas, desde os tempos do Big Bang."

  1.  O sentido do 8, a oitava arte, o símbolo de infinito, e um novo projeto de obra.

    Há uma década Gonzalo Mezza vem caracterizando as produções digitais artísticas com a denominação  “Oitava Arte”. A designação deveria ser entendida como um enlace direto e consecutivo com a arte que vem se gestando na história (ao menos no Ocidente), na medida em que surgem renovações.
    Notemos que sua posição como criador artístico, mais uma vez, está fortemente vinculada à conceituação da atividade criadora. O processo criativo de Mezza se compreende, no meu modo de ver, somente no duplo caminho da geração de conceitos e de obras.
    Uma 8ª arte? O cinema, designado como a  “Sétima Arte” foi iniciado socialmente em 28 de dezembro de 1895. Nesse momento, os irmãos Lumière exibiram um filme para espectadores: a saída dos operários de uma fábrica em Lyon, entre outras produções. Com independência da disputa cultural pelo “cetro” da oitava arte (uma oitava arte que oscila, também, entre os videojogos, os comics, por exemplo), a variedade e quantidade de obras geradas nos centros criativos do planeta aportam mérito suficiente às produções digitais para essa designação.
    Visto tanto no gráfico quanto no conceitual, o número “oito” apresenta uma identidade de desenho com o signo de “infinito” (que o aproxima ao significado da fita de Moebius). Além de indicar o número de “bits” que compõem um “byte”, oito.


Diagrama do símbolo de “infinito”.

É atraente pensar na antiguidade daquele signo (o “oito” horizontal) em matemáticas. Foi usado em 1655 por um matemático chamado Johm Wallis para representar o infinito. O valor expressivo do signo está radicado em que é possível seguir e seguir a linha de maneira “infinita” (como na fita de Moebius), uma ação de movimento que não encontra um limite formal.

Fita de Moebius

As produções digitais interativas de intenção artística (os Objetos Artísticos Digitais Interativos O.A.D.I. ), de presença contínua na obra criativa de Gonzalo Mezza, insisto, abrem-se à intervenção dos usuários.  Esses objetos (a matéria da oitava arte) participam assim da noção de “infinito”. Teoricamente, não há um tope, um final, para a intervenção ativa das pessoas nas obras. Porque a imaginação de um indivíduo pode se estender até onde lhe permita sua própria potência. Mas, além disso, os objetos são “infinitos”, porque podem participar inúmeros usuários .
           
            Os avanços do conhecimento humano motivam continuamente esse artista criador chileno residente no Brasil, de espírito universal e ao mesmo tempo latino-americano. Seu novo projeto de obra explora os mistérios que procuram desvelar hoje os cientistas , precisamente em relação às origens do Universo, desde aquele germe sempre surpreendente: o Big Bang. Será interessante assistir a sua elaboração artística a respeito do que parece ser a fronteira retrospectiva do Universo.

(Texto para a conferência "Humanismo Tecnológico, a obra de Gonzalo Mezza", realizada com motivo da Retrospectiva digital 1973-2003 Multimidial. MAVI / Museo de Artes Visuais / Chile
2003. Cyber-Instalação / Arte Interativa / Net Art / Web Art / Cyber-pinturas / Plasma / Cyber-gravuras / Internet Project
/ Instalações / DVD Multimídia / Pinturas digitais / Fotografias laser / Vídeo-digital)

Laser é uma sigla relativa a: light amplification by stimulated emission of radiation.

O Museu Nacional de Belas Artes (Chile) adquiriu recentemente quatro obras emblemáticas de Gonzalo Mezza: Venus de hielo: los deshielos de la Venus 123 (Vênus de gelo: os degelos da Vênus 123), o registro da ação de arte no Desierto de Atacama (Deserto de Atacama), sua obra La Cruz del Sur (O Cruzeiro do Sul), e a Venus del Sur (Vênus do Sul) no território antártico, para a coleção e patrimônio do Museu.

 

O termo virtual tem uma aplicabilidade conflituosa. Em um sentido mais puro, a expressão “virtual” deveria aplicar-se, não às imagens presentes em um monitor, mas sim a sua potencialidade contida nos códigos de programação. As imagens em um computador são “atuais”, possibilidades que foram atualizadas.

Fragmento da minha apresentação da obra de Gonzalo Mezza para a exibição de referência. 2003.

Tradução: Gabriela Petit

Propus essa sigla para nomear os Objetos Artísticos Digitais Interativos. Ver especialmente: Schultz, M.: Filosofía y Producciones Digitales. Buenos Aires.Alfagrama. 2006. Schultz, M.: ¿Una nueva Ontología? los derechos filosóficos de la Cibercultura. Santiago de Chile. Colección TEORÍA. Facultad de Artes. Universidad de Chile. 2009.

O que dá lugar à denominação “obra aberta em terceiro grau”, ampliando as ideias de U. Eco.

A partir do Colisionador de Hadrones da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN, sua sigla em francês).

 

GONZALO MEZZA: DA INSCRIÇÃO À INTERATIVIDADE

Justo Pastor Mellado

Na minha condição de crítico e historiador independente, acompanho, há mais de uma década, o trabalho de Gonzalo Mezza. Proveniente das ciências sociais e da filosofia, meu trabalho crítico não tinha relação com o espaço artístico até os anos oitenta. Justamente, ao retornar de meus estudos na França, a primeira obra de ruptura que encontrei no Museu Nacional de Belas Artes de Santiago do Chile, em plena ditadura militar, foi La Cruz del Sur (O Cruzeiro do Sul). Eu não conhecia o autor. Achei ele preocupado, absorto no seu trabalho de montagem, trocando fitas de video: era Gonzalo Mezza e acabava de ganhar o prêmio da VI Colocadora Nacional de Valores.  

Em nosso trabalho colaborativo, a exposição 8=8 The Virtual Museum Project na Caixa Cultural surge como uma situação de estranheza, porque resume uma história de encontros e debates entre um artista e um crítico. Não é de mais dizer que não se trata de uma exposição retrospectiva, mas sim de um ensaio retroversivo; e por que não, recursivo. Assim, para cumprir com este propósito o projeto apresenta duas peças: uma vídeo projeção e 16 gravuras digitais finamente montadas sobre acrílico e iluminadas por leds.

Na projeção, concentra-se o visionamento de oitenta reproduções digitais que sustentam intervenções anônimas de matrizes significativas na obra de Gonzalo Mezza.  Essa é a parte documental que contém o registro das modificações produto da tolerância interativa. Entretanto, as reproduções em suporte gráfico acolhem imagens que provêm dessas mesmas modificações, trabalhadas como expansões digitais da gravura. Isso implica ativar a hipótese que supõe certo tipo de retração tecnológica a partir do aparelho de produção digital, ao mesmo tempo em que introduz um elemento excessivo que transforma as condições de reprodução material da imagem.

É a partir desse ponto que faço uma análise que pode parecer contraditória e até contrária ao que o próprio Gonzalo Mezza pensa em relação à história do seu trabalho. Esse é o motivo para falar em duas partes da mostra, uma documental e outra incidental. Pois bem: cada um desses termos atinge o outro; os documentos incidem na obra, mas ao mesmo tempo, as intervenções interativas em suas próprias matrizes documentam a percepção e circulação das obras. Sendo esse um dos pontos mais produtivos do nosso debate, a partir do qual á possível formular a seguinte pergunta: que significa afirmar a autoria nos meios digitais?

Gonzalo Mezza escapole-se e refugia-se na materialidade de suportes gráficos, que é acolhida no seio do espaço museal. Esse é o momento em que coloco em dúvida suas decisões de política formal, para exigir-lhe uma consequência total com a virtualidade. Mas não! Ele insiste em uma solução de transação, que consiste em dominar momentos intermediários de negociação com o espectador, o qual percorre uma mostra de um modo radicalmente diferente ao de um leitor-consumidor diante de um terminal computacional. De fato, os terminais e os postos de trabalho digital assemelham-se cada vez mais a espaços domésticos; ao ponto que um terminal disputa sua presença objectual entre outros objetos eletrodomésticos, no interior de um lar em cujo seio ele parece encarnar a existência do não lar.

No momento em que preparamos essa exibição, para contra-argumentar minha exigência de radicalismo na rede, Gonzalo Mezza entrega-me o livro publicado em 2009 por Margarita Schultz, sob o título ¿Una nueva Ontología? Los derechos filosóficos de la Cibercultur) (Uma nova Ontologia? Os direitos filosóficos da Cibercultura). Esse foi um grande golpe de astúcia. Margarita Schutz participa deste catálogo, encarregando-se da análise das obras mais emblemáticas de Gonzalo Mezza. Seu livro, eu o devoro de imediato, ultrapassando o pedido escondido que Gonzalo Mezza deixa entrever. Esse é o tipo de questão mais reconfortante no trabalho colaborativo de uma mostra como esta. Até as contradições dos nossos olhares convertem-se em pontos de avanço e de troca. A astúcia de Gonzalo Mezza, na sua maneira de escapulir-se da minha exigência, finalmente determina um critério de periodização de seu trabalho, para o qual o emprego de uma categoria introduzida por Margarita Schultz resulta-me de grande utilidade: o vazio empregado pelos estoicos.

Essa categoria é elaborada por Schultz a partir da leitura que faz dos textos de Anne Cauquelin, quando ela recorre à filosofia dos estoicos para pensar a organização do Cibermundo em sua peculiaridade espacial. Isso supõe, certamente, pôr em contato dois momentos culturais extremamente distantes na história do pensamento, que, entretanto, resultam iluminadores na hora de entendê-los em um grau de abstração vinculante. Assim, Margarita Schultz pode afirmar que “ao pensar a natureza do ciberespaço e seus objetos, adverte-se que as qualidades próprias desse espaço (ainda quando caracterizado de maneira incompleta) selecionam adaptativamente as qualidades dos objetos que nele habitam, e ao contrário”. Mais adiante acrescenta: “Os objetos digitais e o ciberespaço se co-pertencem de maneira quantitativa em seu próprio domínio”.

Penso, então, que por esse lado vou encurralar Gonzalo Mezza e perguntar-lhe: porque, se teu trabalho reivindica o predomínio da virtualidade digital, sempre consegues dar um jeito para que tua presença de exibição dependa da presença de suportes gráficos? Essa é uma pergunta que somente pode ser formulada a partir de uma crítica que não põe em risco a amizade, porque a confiança está determinada pela natureza de nossas trocas, no curso das quais, Gonzalo Mezza responde-me com um argumento “reformista”, pensado para instalar uma corporeidade objectual de compromisso. Gonzalo Mezza coloca em execução sua pertinência comunicacional e tira partido da negociação com as instituições. Mas tudo isso resulta-me aceitável, apenas a partir do uso que a própria Margarita Schultz faz de um termo que, evidentemente, acudirá a favor de Gonzalo Mezza; qual seja, o termo “incorpóreo”. Mas nada é tão simples! O incorpóreo permite a Margarita Schultz abordar eficazmente o conceito de vazio. Se os corpos e o vazio necessitam-se como contraformas, então, a presença dos objetos gráficos de Gonzalo Mezza exige a contraforma da presença instável dos objetos digitais. Assim, há que pensar que uma exibição de Gonzalo Mezza é sempre um espaço de transação entre duas temporalidades, dois espaços, duas corporeidades. Nesse sentido, Gonzalo Mezza conduz a noção de incorpóreo a sua vontade, porque a fixa em um instante intermediário, para satisfazer requerimentos didáticos, fortemente dominados por necessidades museográficas que, por outro lado, tomam emprestadas suas formas dos dispositivos de reprodução “gigantográfica” (como na Bienal de São Paulo) ou fotográfica (como na Bienal do Mercosul, nesta mesma exposição).

Até aqui, ao menos, podem-se distinguir dois momentos na produção de Gonzalo Mezza: o primeiro, entre 1971 e 1976, em que participa em ações coletivas de intervenção do território e da paisagem mediática; a segunda, entre 1976 e 1981, cujas ações são caracterizadas pela articulação entre a videoinstalação e a videoperformance. Depois dessa data, sobretudo por volta dos anos noventa, seu trabalho concentra-se na exploração da interatividade e “pintura digital”. Em certa forma medida, sua obra transcorre de maneira progressiva, da infração da paisagem para a singularidade receptiva das redes, passando pela representação autobiográfica da corporeidade, seguindo de perto o rápido desenvolvimento das tecnologias de registro e de transmissão.

Assim, a persistência programática da “colocação” da corporeidade em cruzamentos emblemáticos do território chileno desloca-se para a localização flexível de redes mobilizadoras de uma subjetividade autoral delegada e compartilhada. Como já afirmei, o suporte gráfico justifica-se como uma plataforma de comprometimento, ao mesmo tempo em que desenvolve obras interativas, como as que o autor apresentou na XXIII Bienal de São Paulo e nas I e V bienais do Mercosul. Desse modo, a validade de minha hipótese sobre os momentos de transição corpórea de seu trabalho resulta totalmente válida. O que define essa atitude é o desejo de articular, nos tempos e espaços correspondentes, momentos de retenção gráfica e museal com momentos de abertura e hibridação interativa.

Falei de um conjunto de ícones que no trabalho de Gonzalo Mezza resulta recorrente. Um texto de Arlindo Machado, escrito para sua exposição no MARGS de Porto Alegre, fez-me recuperar uma ideia similar à postulada no texto. Arlindo Machado menciona a pregnância de certos ícones, que por outro lado, Gonzalo Mezza recupera de seu uso midiático, em forma de reproduções de reproduções. Isso não é por acaso, dado que ao repetir esse gesto de recuperação de ícones pregnantes, serializa os usos comuns desses ícones na cultura de massas. Graças a eles, pode montar sua ficção de localização, que o conduz em 1980 a produzir La Cruz del Sur (O Cruzeiro do Sul). Para realizar esse e outros projetos não duvidou em viajar para o Equador, levando ao pé da letra as intenções visuais vertidas a propósito da linha do Equador. Essa seria, desde então, uma maneira simples de mapear suas próprias intensidades e combinar variadas citações de imagens passando por imagens japonesas e mapuches, recorrendo à fixação de escrituras que não foram ainda decifradas. Tudo isso, com base em um ecossistema de pensamento fortemente ancorado nos meios e na usura de seus referentes icônicos mais habituais.

É assim que adquire sentido sua “obsessão” com a imagem matricial da Vênus, que já aparece em seus trabalhos dos anos setenta, repete-se nos anos oitenta e, depois, nos noventa, como uma matriz acarretada. Nesse recurso é preciso reconhecer um emprego paródico de uma referência greco-latina, em um momento político em que se busca anular as determinações republicanas do saber social. Somente quem experimenta a ameaça de apagar suas marcas sustenta uma política da persistência de imagens matriciais. Por isso, o trabalho de Gonzalo Mezza afirma-se inicialmente sobre uma fixação identitária nas técnicas da gravura; na medida em que se trata de uma tecnologia da inscrição. Desse modo, mais além da periodização de sua obra, posso afirmar que os dois grandes eixos de sua produção tem sido a Inscrição e a Interatividade.

Entretanto, em todo esse trajeto formal, Gonzalo Mezza mantém seu arquivo de imagens comuns para que possam ser oferecidas em uma espécie de menu de modificações simbólicas intermináveis. Assim, uma imagem matricial como a de Vênus aparece reproduzida em fotocópia, congelada no interior de uma barra de gelo, justamente, para experimentar seu des-gelo e ficar como resíduo de uma imagem derretida, que chegou ao final de um fluxo terminal. Somente afirma-se o gelo como fantasma que ameaça seu contrário: a secura ardente do dispositivo que fixa a imagem, deslocando as clássicas tecnologias da gravura, algumas das quais funcionavam por efeito dos ácidos. Mas sem dúvida permanecemos no terreno da metáfora, que é a partir de onde o próprio Gonzalo Mezza, por meio de outra astúcia, deseja deportar-nos.
Já minha própria suspeita é que possamos viver em um cibermundo cujo acesso seguimos empregando uma terminologia que provém de uma espécie de “inconsciente impressivo”. Nesse sentido, concordo com Paulo Sergio Duarte quando estabelece relações de dependência progressiva na história dos meios de reprodutibilidade técnica para assinalar que a cultura digital exige uma revolução copernicana consequente, habilitada por paradigmas que redefinem as relações do homem com as máquinas de produção de virtualidade. Justamente, esse é o sentido que tem a ficção que monta Gonzalo Mezza, ao sustentar a fórmula de seu projeto: “Arte é informação liberada, o ciberespaço Internet é um novo estado da matéria numérica, mas a cultura digital acontece nessa terceira margem ou dimensão infinita, que denomino Oitava arte”. A 8ª arte joga na gráfica de seu enunciado e recupera as fantasias ligadas a certa numerologia que determina a igualdade de 1 byte e 8 bits, para girar o signo e fixá-lo na evocação do infinito; ou seja, dos intercâmbios intermináveis que estão associadas à liberação absoluta das redes, que começam a modificar inevitavelmente o campo da arte.

Entretanto, aqui é forjado algo mais do que uma suspeita terminológica; mais exatamente, o que se postula no trabalho de Gonzalo Mezza é uma nova relação com os alicerces da produção de conhecimento; mais ainda, com a possibilidade de uma produção digital que, a partir do mundo das comunicações, objeta as linhas de legitimidade das produções artísticas. O que se propõe, portanto, é um assunto de potestade jurisdicional, entre produções incorpóreas cuja única existência verifica-se estando em rede, moduladas por uma ficção que redimensiona as coordenadas da presença corporal.